Mais de 400 a fazer o oito em Belém

Em vez do astrolábio, uma bússola de grande precisão; e um rigoroso mapa de orientação no lugar das velhas cartas de marear pela costa africana. Cinco séculos depois das famosas navegações portuguesas, quatro centenas de “marinheiros de água doce”, mais que suficientes para equiparem duas frotas do Gama, chegaram domingo passado a Belém e ao Restelo. Era manhã cedo e o enquadramento não podia ser mais apelativo, com tanto monumento a evocar ali a gesta marítima de Quatrocentos, mas eles não se fizeram ao mar, orientaram-se, e alguns perderam-se, em terra firme.

Ficar “feito num oito” é coisa que não se recomenda a ninguém, mas “fazer um oito” teria sido, para a maioria dos percursos, a estratégia recomendável para vencer a prova de City Race que o CAOS organizou naquela zona da cidade de Lisboa.

Um grande obstáculo no terreno, a linha do caminho de ferro, dividia o mapa em duas áreas bem delimitadas: Norte e Sul. Com partida junto ao Museu de Marinha, do lado norte, e chegada no lado sul, sensivelmente alinhada com o Museu dos Coches, a melhor opção seria basicamente agrupar os pontos em quatro blocos e controlá-los por esta ordem: Noroeste, Sudoeste, Nordeste, Sudeste. Ou seja, tinha de se atravessar a linha férrea por três vezes, utilizando duas passagens aéreas e uma subterrânea. Até houve quem atravessasse cinco vezes, para resgatar dois ou três pontos “esquecidos” do outro lado.

Quem sabe um mínimo da modalidade, mas não se inteirou das especificidades desta prova em particular, deve achar muito estranha toda esta conversa. É que não se tratou de um percurso formal. À imagem dos figurinos do “Rogaine” e do “Score 100”, a proposta da organização era que cada concorrente controlasse, por uma ordem à sua escolha, os pontos do seu mapa, que variavam entre os 12, para os escalões de formação, e os 30, para Seniores e Veteranos Masculinos I. A diferença, aqui, é que os pontos tinham todos o mesmo valor (supostamente 10, como figuraria no “print” final, à frente de cada código) e não havia pontos “a mais”, passíveis de serem ignorados.

Numa das áreas da capital com maior concentração de património construído, os atletas tinham de “visitar” postos de controlo instalados nas imediações de mais de duas dezenas de museus e monumentos nacionais, com destaque para Jerónimos, Torre de Belém, Padrão dos Descobrimentos, CCB, museus da Presidência, da Eletricidade, de Arte Popular, de Etnologia, e pontos tão icónicos como a fábrica dos Pastéis de Belém ou o Estádio do Restelo. Duas das balizas com vistas mais deslumbrantes estavam situadas na capela de São Jerónimo, no lado norte do mapa, e na cobertura do MAAT, juntinho ao Tejo, com uma panorâmica impressionante abarcando a ponte 25 de Abril, o Cristo-Rei e toda a zona ribeirinha das duas margens para nascente e poente.

Como ironizou Tiago Lopes, diretor técnico do evento e também cartógrafo e responsável pelo planeamento da rede de pontos de controlo, desta vez ninguém se vai queixar do “traçador de percursos”. Ele, com efeito, escolheu a localização dos pontos imaginando a rota ideal para cada escalão, mas quem, de verdade, “traçou o percurso” foi cada atleta ao decidir a ordem pela qual queria controlar os pontos.

E os melhores praticantes não andaram nada longe do traçado ideal. Tiago Romão, vencedor em Seniores Masculinos, com o tempo de 46.25, correu 11,3 km (GPS) num percurso em que a menor distância anunciada era de 11,1 km. João Ferreira, 2º classificado, fez 11,8 km, com um desvio muito aceitável também.

Os escalões Sénior e Vet M I, com percursos mais extensos, foram os que tiveram de controlar pontos mais a norte, ou seja, mais afastados da zona da meta. A generalidade dos escalões fez (ou deveria ter feito) o tal “oito”, nunca se afastando muito da linha do comboio.  Os percursos de Formação e Open Curto partiram de um local distinto, já no lado sul da via férrea onde se situavam todos os seus controlos, poupando-se assim a qualquer atravessamento.

A manhã esteve fria mas ensolarada, proporcionando aos menos dados à competição uma caminhada entre desportiva e turística. Alguns vi eu, no topo do MAAT, a fazerem-se fotografar com a ponte e o Cristo-Rei em fundo, quase se esquecendo de passar o chip no dispositivo eletrónico de controlo.

Os mais competitivos (“fundamentalistas”, dirão os tolerantes) podem queixar-se da falta de sinalética, que ditaria com rigor em que elemento – e em que lado dele – se deveria achar a baliza, mas esta disciplina, a “city race”, tem, no entendimento de alguns, um estatuto menos rígido, valorizando também as vertentes lúdica e cultural. Houve gente, de certeza, que nem deu pela troca de códigos em dois pontos vizinhos. A organização encontrou para o caso uma solução informática com aceitação geral, já que não houve qualquer protesto.

Com mais de 400 inscritos e um elevado nível de satisfação dos praticantes, Nuno Pedro, o rosto do CAOS, só tinha razões para estar feliz no fecho da jornada.

ADN Sesimbra com três vitórias

Ao ganhar três dos 13 escalões de competição, o ADN Sesimbra foi o clube mais vitorioso na prova de Belém. Miguel Manso venceu em Jun M, Leonor Ferreira em Jun F, António Neves em Vet II M.

A nossa associação teve ainda dois representantes classificados em 3º lugar: Nuno Ferreira em Vet I M e Jesus Leão em Vet II F.

Em evidência estiveram também GD4 Caminhos e CPOC, com duas vitórias cada: Vasco Fernandes (Vet I M) e Margarida Rocha (Vet III F), pelo clube do Norte, e Tânia Agostinho (Vet I F) e Vítor Rodrigues (Vet III M), pela formação do Sul. Anabela Vieito deu a vitória ao COC em Vet II F; e o Ori-Estarreja ganhou Vet IV M, com Gil Rua.

Nos escalões Seniores, o vencedor masculino foi, como já se disse, Tiago Romão, do Clube de Montanha do Funchal, enquanto o troféu feminino coube à polaca Katarzyna Slusarczyk.

Falta registar os vencedores juvenis: João Pedro, do CAOS, e Ana Beatriz Vedrasco, da Escola Secundária de Pinhal Novo. Com 18 inscritos, o ADN Sesimbra foi um dos cinco clubes mais representados na City Race de Belém, onde o OriMondego também teve presença assinalável.

Manuel Dias

Fotos de Miguel Manso, Igor Ventura e Irina Soares