À sombra duma azinheira

Foi à sombra duma azinheira (ou seria um sobreiro?) que foram medalhados os vencedores do Campeonato Nacional de Estafetas de orientação pedestre, que o CAOS organizou, a 11 de junho, na Herdade de Entre Águas, perto de Estremoz. Não vamos discutir o sexo da árvore nem a sua idade, mas é irresistível evocar a canção do Zeca diante do cenário escolhido pelo clube que, no 25 de Abril, já promovera em Lisboa uma city race intitulada “Pontos da Liberdade”.

Na véspera, 10 de junho, e no mesmo terreno das estafetas, tinha-se disputado o Campeonato Nacional de Distância Média, horas antes de um sprint urbano em Borba, onde foram distinguidos os campeões do dia e os vencedores do Troféu Escola das Armas, que agrupava os resultados das duas etapas desse sábado.

O tempo e o espaço deste evento não são fortuitos. A Escola das Armas celebra o seu dia a 17 de junho, data em que, em 1665 e a poucos quilómetros dali, se deu a batalha de Montes Claros. Essa e as demais contendas da Guerra da Restauração travadas em campos do Alentejo são evocadas em painéis que partilham uma sala do Palácio Tocha, em Estremoz, onde se pode ver uma valiosa coleção de azulejos do Museu Berardo, que se estende pelos três pisos do vasto edifício.

Não cremos que o palco destes campeonatos nacionais vá, ao contrário desses azulejos, ficar na galeria dos nossos grandes terrenos da orientação. De alguns praticantes credenciados escutámos críticas, às vezes impiedosas, sobre a sua qualidade técnica. Mas, com mais ou menos gratificação pessoal, o terreno e os percursos acabaram por ditar resultados “justos”, se atendermos à geral prestação dos favoritos. Os “melhores” ganharam sempre, ou quase sempre. E fica o mérito de um clube de Sintra, sem mapas exequíveis na sua região, ter conseguido a parceria com dois municípios do interior alentejano. O que mais custa talvez é pensar que esses terrenos pouco uso voltarão a ter para a modalidade, em treino ou competição.

Sesimbra com ouro feminino na estafeta júnior

As estafetas são a prova que normalmente proporciona momentos de maior emoção – na arena e no terreno. Ao partirem em massa para o primeiro percurso, os concorrentes controlam os seus mais diretos adversários, podendo até, se tiverem pernas para isso, cumprir “juntos” certos segmentos comuns, na certeza de que, em qualquer ponto da corrida, vai haver uma dispersão. Retomar o contacto visual nem sempre é fácil após esse desvio. Os mais velozes, ou tecnicamente mais apetrechados, acabam por se escapar, cavando entre equipas um fosso, que depois se estreita ou alarga consoante as capacidades do segundo e terceiro elementos de cada formação.

Cabendo-me desempenhar o último percurso, não pude testemunhar ao vivo o desenlace da luta na maioria dos escalões. Mas a consulta dos resultados permite concluir que escassearam as ocasiões de frenesim no sprint final para a meta.

Nos juvenis, o Oriented Aguiar ganhou folgadamente, tanto em masculinos como em femininos. Nas raparigas, destaca-se o 2º lugar do AEJBV, merecida recompensa para o continuado trabalho daquele agrupamento de escolas de São Brás de Alportel, que deixou o .COM na 3ª posição. Já nos rapazes, é de assinalar a inclusão de Juliana Pedro na equipa masculina, que foi 2ª classificada. O outro lugar de pódio foi para o ADN Sesimbra, com André Espada Pereira, Rodrigo Rusga e Miguel Canana.

Em Jun F, Sofia Pulquério, Carolina Rusga e Joana Canana deram à associação de Sesimbra a sua única vitória nestas Estafetas, deixando as concorrentes da Montanha a 15 minutos de distância.

Três despiques com meta à vista

Jun M foi o setor com luta mais renhida. Alexandra Serra Campos, de novo uma rapariga, integrou a equipa vencedora do .COM, que terminou com apenas 16 segundos de vantagem sobre a Montanha. Cinco segundos mais tarde, cortava a meta o representante dos 4 Caminhos. Ou seja, as três equipas correram, ao alcance da vista, os últimos metros da prova. Em 4º lugar, a dois minutos do pódio, chegaria o atleta de Sesimbra. Também aqui houve uma rapariga, Leonor Ferreira, na equipa masculina, alinhando com Afonso Ferreira e Miguel Manso.

Em Sen F, o COC, com Adelindina Lopes, Sara Roberto e Magalie Mendes, não deu hipótese à concorrência. Já a luta pelo 2º lugar foi o duelo mais sofrido do dia, com Mariana Moreira, do CPOC, a impor-se por apenas três segundos a Rita Fernandes, do .COM. Outros despiques emocionantes, neste ou em qualquer escalão, hão de ter-se verificado nos dois primeiros percursos da corrida, mas ficam invisíveis quando consultamos apenas a lista dos resultados finais. Por isso, a estes dois juntaremos apenas um terceiro registo, quando falarmos de Vet III M.

No setor masculino da categoria sénior, três atletas com pergaminhos também na pista e na estrada, Ricardo Esteves Ferreira, Luís Silva e Pedro Nogueira, do ADFA, deixaram o CMo Funchal a mais de seis minutos, apesar da experiência dos consagrados Romão e Aires, que fizeram equipa com Fábio Pereira. O COC foi 3º, e em 4º ficou o ADN Sesimbra, com uma senhora, Lucine Gintzburger, a juntar-se a Tiago Baltazar e Vasco Mendes.

Em Vet I, o Ori-Mondego ganhou nas senhoras e nos homens. À associação de Sesimbra coube um 4º lugar, com Luís Boal, Pedro Laia e Nuno Ferreira.

O CP Armada venceu em Vet II e Vet III M. E o mesmo fez o COC no setor feminino. Para a história do nosso clube, além do ouro júnior, ficam duas medalhas de prata em Vet II F (Olga Paulino, Sónia Grou, Ana Casaca) e Vet III F (Jesus Leão, Luísa Gaboleiro, Catarina Félix).  Nos homens, tivemos o 8º em Vet II M (Rui Marques, Feliciano Alves, Noel Cabeça) e o 4º em Vet III M (Fernando Mendes, Jorge Baltazar, Manuel Dias).

Esta última categoria, com 12 equipas tal como Sen M, proporcionou o terceiro grande momento de luta à aproximação da meta. José Fernandes, do .COM, partiu para o derradeiro percurso com 16 min de atraso para António Graça. Recuperou a diferença na primeira metade (mais técnica) e correu depois sempre à vista do adversário, que no final fez valer a sua velocidade, ganhando por cinco segundos.

Nos escalões veteranos, merece ainda registo a excelente prestação duma equipa que, constituída por três atletas do país vizinho, correu à margem da competição, já que se tratava de um campeonato “nacional”. São praticantes muito assíduos nos nossos terrenos e que até integram um clube português, o Gafanhori. Antonio Guerrero, José Ángel Ramos e José Manuel Martinez terminaram a prova de Vet II M com mais de quatro minutos de vantagem sobre a equipa vencedora. Foram a face mais visível da comitiva espanhola, que tinha inscritos 51 concorrentes, a maioria em representação da Federação da Extremadura. No total, competiram em Borba e Estremoz cerca de 470 orientistas.

À margem dos campeonatos, correram-se também estafetas populares. Na Longa venceu uma equipa da Madeira (Xavier Vieira, Nelson Baroca e Gonçalo Mota); na Curta, uma formação da Extremadura espanhola, cabendo o 2º lugar às cores de Sesimbra (Guilherme Silva, Patrícia Pereira, Sara Tomás).

Dobradinha de Luís Silva e Vasco Mendes

Relativamente ao Campeonato Nacional de Distância Média, realizado no sábado, e para não tornar entediante este rol de pódios, deixaremos apenas alguns destaques, sendo o primeiro para a dobradinha de Luís Silva e Vasco Mendes, que repetiram no Alentejo os títulos de campeão e vice-campeão, obtidos duas semanas antes no Ibérico em Penamacor. O 3º lugar coube a Tiago Aires, que também já fora o 3º melhor português (5º da geral) no torneio peninsular.

Anotem-se ainda as seis vitórias do COC (DE, H50, D50, H55, D60, D65); as duas do ADFA (HE, H40), .COM (D16, D18), CAOS (H14, D14), Montanha (H20, D20), Mondego (H35, D35) e COALA (H65, H70). Também foram campeões atletas de Aguiar (H16), 4 Caminhos (D40), Saca-Trilhos (D45), Armada (H60), CLAC (D70), TAP (H75) e Estarreja (H80).

Três campeões do ADN em Distância Média

O ADN Sesimbra foi, a seguir ao COC, o clube com mais títulos de campeão em Distância Média. Chegaram ao ouro Miguel Manso (H18), Nuno Ferreira (H45) e Jesus Leão (D55).

Lucine Gintzburger fez o melhor tempo em D20, mas concorreu extracompetição, pelo que o seu resultado não foi considerado no âmbito do campeonato “nacional”. Já em D18, Leonor Ferreira e Joana Canana fecharam o pódio, liderado pela atleta do Minho Alexandra Serra Campos. E, se houvesse lugar para cinco, lá teríamos mais duas meninas do ADN: Sofia Pulquério e Carolina Rusga, comprovando que este continua a ser o nosso escalão mais forte.

Medalhadas foram também as prestações de Catarina Félix, 2ª em D55, e de Luís Boal, 3º em H40.

Entre os escalões não elegíveis para medalhas, merece realce o 2º lugar de Tiago Baltazar, só batido por um concorrente espanhol de um novo clube de Badajoz, cujo nome, LINDER-O, faz referência à “proximidade fronteiriça com Portugal”, conforme se explica na página dessa associação. Alguém me sopra: “lindero” é “limite” em espanhol. Esperamos contar de novo com esses amigos nas próximas provas deste lado da fronteira.

Pelas ruas de Borba

A prova de sprint decorreu nas ruas de Borba. O coração do evento foi a Praça da República, onde se situam a Fonte das Bicas e os paços do concelho. As duas áreas tecnicamente mais interessantes ficavam a noroeste e sudeste desse núcleo central.

Ricardo Esteves Ferreira, do ADFA, puxou os seus galões de velocista e venceu facilmente a Elite masculina. Nas quatro posições seguintes acotovelaram-se L. Silva, J.P. Fernandes, J. Ferreira e V. Mendes. Entre o 2º e o 5º, a diferença foi de apenas 13 segundos.

Outro destaque desta prova e de todo o fim de semana vai para a supremacia que os juvenis do Oriented Aguiar evidenciam no panorama nacional. Nesta etapa urbana, Lucas Coelho foi 1º e Pedro Patrocício 2º em H16.

Olhando as prestações do ADN Sesimbra, e sem sair do setor jovem, foi reconfortante ver que, em D18, atrás da vencedora espanhola ficaram as nossas quatro meninas, separadas por apenas 27 segundos e à frente de todas as outras concorrentes.

Nos demais escalões averbámos quatro vitórias:  Lucine Gintzburger em D20, Luísa Gaboleiro em D60, António Neves em H60 e Manuel Dias em H70.

Nos escalões de formação, o nosso benjamim Salvador Mendes (H10) festejou o Dia de Portugal com uma vitória de manhã e outra à tarde.

Silêncio e palmas para Mário Duarte

No início da cerimónia de entrega de prémios, realizada ao fim da tarde em frente do edifício da Câmara, foi prestada homenagem a Mário Duarte, falecido três dias antes, com 60 anos de idade.

Teresa Alves, em nome da FPO, lembrou as décadas de incansável entusiasmo que o atleta do ADFA dedicou à modalidade como praticante e formador, representando o país em provas internacionais civis e militares. Foi guardado um minuto de silêncio, fechado com sonora salva de palmas.

Tinha pensado deixar aqui um testemunho pessoal do meu convívio com o Mário e pedi ao Luís Sérgio uma ou duas fotos alusivas, que recebi prontamente e em abundância. Como o texto vai longo, deixo o endereço do blog onde o Luís durante anos foi publicando histórias deliciosas e simultaneamente reunindo um precioso tesouro afetivo e documental. Chamava-se “Mais um mapa, mais um desterro” e bem merece uma visita: http://maisummapa.blogspot.com/

Cruzei-me com o Mário a primeira vez em dezembro de 1992, no I Campeonato Ibérico, disputado nos mapas de Casebres e Palma. Eu nem sabia ao que ia, nunca tinha visto um mapa de orientação. Estava à espera de receber uma folha da carta militar. Alguém me inscrevera em Homens Elite (sim, na altura isso era possível). Fiz o mesmo percurso das seleções de Portugal e Espanha. Ganhou o José Redondo com 1h21.50 e eu fui último com 2h51.20. O Mário foi 8º com 1h35.19.

Podia lá eu imaginar os 30 anos de experiências que haveria de trocar com Mário Duarte, competindo várias épocas no mesmo escalão, dada a minha teimosia em alinhar com os mais novos. Não vou maçar-vos com essas e outras recordações. Só mais duas palavras. O Mário tinha o seu feitiozinho e politicamente estaríamos nos antípodas ou a caminho disso, mas sempre nos respeitámos e tivemos provas de confiança mútua. Quando há cinco anos se declarou a sua doença, acompanhei-o nalguns períodos difíceis. A Gina, o Pedro e o Vasco sabem que o meu desgosto é sincero.

Como disse a Teresa e a Gina, o Mário era um homem de ação. Vamos honrá-lo dando o nosso melhor por este desporto que ele tanto amava.

Manuel Dias