NAOM: nova vitória do ADN

Deu nome a uma rua de Portalegre o mais prestigiado proprietário do terreno onde, no domingo, se disputou a terceira etapa do NAOM. Trata-se da Rua Diogo Fonseca Achaiolli, que desde 1906 homenageia o último morgado de Entre Ribeiras. Mas, antes de recuarmos mais de um século, fixemos o olhar no que, neste fim de semana, se passou nos terrenos que são agora administrados por Lino Janeiro (Vale de Lobo) e Rosália Mendes (Entre Ribeiras), que fizeram questão de estar presentes na cerimónia de entrega de prémios.

O Norte Alentejano “O” Meeting, organizado pelo Grupo Desportivo 4 Caminhos, é dos eventos mais clássicos da orientação pedestre em Portugal. Desde 2007 só teve interrupção em 2021 devido à crise pandémica. E tem a particularidade de, fazendo jus ao nome, se realizar sempre na mesma região, ao contrário da nossa prova rainha, o POM, que, inaugurado em 1996, já assentou arraiais em cenários de Trás-os-Montes ao Algarve.

A edição de 2023 do NAOM teve lugar nos concelhos de Castelo de Vide, Marvão e Portalegre, constando de duas etapas de floresta, em Vale de Lobo e Herdade de Entre Ribeiras, e um sprint, em Santo António das Areias. Responderam à chamada 800 participantes de 20 países. Entre os estrangeiros, as maiores comitivas vieram da Suécia, Finlândia, Espanha e Reino Unido.

Sesimbra soma e segue

A 2ª prova da Taça de Portugal, no corrente ano, deu a 2ª vitória ao ADN Sesimbra. Depois de Abrantes (21 e 22 de janeiro), onde a Associação Desporto Natureza se impôs ao .COM e COC, foi agora a vez de levarmos a melhor sobre COC e CAOS.

Devido ao elevado número de estrangeiros em posições de destaque, não se vislumbra de imediato a pujança da nossa coletividade quando espreitamos o quadro geral das classificações. Apenas quatro lugares de pódio: Leonor Ferreira, 2ª em D18; Miguel Manso, 3º em H18; Catarina Félix, 3ª em D50; Manuel Dias, 1º em H70. Na sombra desse palco, todavia, esteve uma volumosa onda de sesimbrenses a empurrarem para a praia uma bojuda rede de precioso pescado.

Desde logo, Vasco Mendes. Dado o peso regulamentar do sector sénior, o nosso único HE foi quem trouxe mais pontos ao clube (320).  Com um prestigiante 22º lugar entre 89 concorrentes, foi o 2º melhor português, logo atrás de Tiago Romão (20º), que já fora o seu “carrasco” na prova do Tramagal (22 jan), e bem à frente de João Magalhães (35º), João Ferreira (36º), Tomás Lima (38º), Pedro Nogueira (40º), Miguel Silva (41º) e José Pedro Fernandes (42º), para nomear apenas os que se classificaram na primeira metade da tabela.

Leonor Ferreira também ultrapassou a barreira dos 300 pontos (301) em termos de classificação coletiva. Acima dos 200 tivemos mais sete atletas: Miguel Manso (260), Tiago Baltazar (254), Joana Canana (251), Luís Boal (231), Manuel Dias (213), Pedro Laia (206), e Igor Ventura (202). E, acima dos 100, nada menos que uma dúzia: Nuno Ferreira (198), Catarina Félix e Rodrigo Rusga (190), Rui Miguel Pereira (188), Afonso Ferreira (181), Jorge Baltazar (171), Carolina Rusga (167), Miguel Canana (166), Sofia Pulquério (152), António Neves (112), Jesus Leão (111) e Luísa Gaboleiro (105).

Um curioso destaque vai para o H18 Guilherme Silva, um quase estreante na floresta, mas que arrecadou no sprint mais 95 pontos para o ADN Sesimbra, que beneficiou ainda das prestações de Fernando Mendes (89), Joana Neves (76), André Espada Pereira (69), Ana Casaca (66), Rui Marques (47) e Patrícia Pereira (45).

 Em 30 anos de prática de orientação, é a primeira vez que, apoiado numa grelha facultada pelo professor Baltazar, olho para os resultados nesta perspetiva do mealheiro clubístico. Não deixa de ser interessante e para mim surpreendente, na medida em que também aponta o foco para concorrentes que tenderíamos a ignorar se o critério fosse apenas o de observar a posição relativa dentro de cada escalão e, para mais, com a tendência para afunilar a visão nos típicos três primeiros lugares.

Mesmo assim, ainda ficaram por registar dez associados que, não tendo pontuado, deram certamente o seu melhor para prestigiar o emblema que brevemente haveremos de envergar (ano novo, novo clube, logótipo em decisão). São eles:  Salvador Mendes, Inês Marques, Noel Cabeça, Célia e Sérgio Canana, Sónia Grou, Olga Paulino, Luís Bernardino, Sara Tomás e Feliciano Alves.

Numa análise por sectores e dados os respetivos índices de ponderação, foram os jovens que mais contribuíram para a vitória coletiva do ADN, garantindo 1836 pontos, a que se somaram 1591 dos seniores e 1242 dos veteranos. Já por disciplinas, embora a associação tenha vencido as três etapas, foi no sprint que tivemos o nosso mais importante trunfo. Dos 538 pontos de vantagem final sobre o COC, 349 foram granjeados no sábado à tarde, em Santo António das Areias.

Fora da nossa capelinha

Se pusermos a cabeça fora da nossa capelinha e dermos atenção aos resultados dos outros clubes, impõem-se as vitórias individuais de Arnaldo Mendes (H35), do Ori-Mondego; Ângela Pedro (D40) e Tiago Lopes (H45), do CAOS; Joaquim Sousa (H50) e Emília Silveira (D45), do Saca-Trilhos; Alexandra Serra Campos (D18) e Tânia Covas (D35), do .COM; Carolina Marques (D16) e Mariana São Bento (D18), dos Amigos da Montanha; António Oliveira (H14), do COC; Jean-Charles Lalevee (H60), do CN Alvito; Roy Dawson (H75), do Gafanhori; Armandino Cramez (H80), do Ori- Estarreja; João Carvoeira (H21B), do CPOC.

Entre os clubes estrangeiros houve dois em clara evidência: o sueco OK Linné, de Uppsala, e o finlandês MS Parma, dos arredores de Turku. Ambos trouxeram sólidas brigadas de jovens e Elites, com destaque para os suecos, que ocuparam os dois primeiros lugares dos pódios de HE e DE, colocando oito atletas do “top ten” masculino. E, por não ter participado no sprint, não figurou nessa dezena de luxo o vencedor das duas etapas de floresta, Lucas Basset.

Parceria exemplar com proprietários

Esta 16ª foi talvez a edição do NAOM com maior economia de meios humanos na organização. Daí terão resultado eventuais beliscadelas que os mais exigentes não deixarão de apontar, ao nível, por exemplo, da sinalização de estradas até ao local do evento (havia coordenadas GPS, bem entendido) ou da fiscalização dos percursos (cerca no olival do sprint). Mas a excelência dos dois terrenos de floresta e a modelar parceria com os respetivos proprietários estiveram ao nível de topo a que o GD4C nos habituou desde 2007.

Se bem me lembro, como dizia o saudoso Nemésio, foi no Vale da Silvana no NAOM 2008 que primeiro vi em Portugal uma organização render homenagem aos proprietários dos terrenos disponibilizados para a nossa competição. Eu tinha estado em Halden, Noruega, no Mundial de Veteranos de 2003, e ficara impressionado com a forma como, na cerimónia final do evento, os organizadores publicamente manifestaram a sua gratidão ao proprietário. Carlos Monteiro, Albano João, Rui Antunes e Jorge Dias, companheiros dessa inesquecível viagem, testemunharam o momento com a mesma emoção que eu.

Cinco anos volvidos, os 4 Caminhos reeditavam essa comunhão de interesses e nunca deixaram de fazê-lo até hoje. Sei de uma ocasião em que até houve lágrimas, quando a dona da propriedade, vendo a acumulação de autocaravanas no local e a satisfação de alguns participantes que foram pessoalmente agradecer e louvar a excelência do terreno, teve um comovido desabafo do género: “Não percebo o que acham eles de tão extraordinário no meio destas pedras.”

Lino Janeiro, administrador de Vale de Lobo, o terreno usado no sábado de manhã, e Rosália Mendes, proprietária da Herdade de Entre Ribeiras (domingo), têm já bastante contacto com o mundo da orientação e não se manifestaram, por isso, tão surpreendidos. Vale de Lobo fora já palco de treinos e de um “model event”. Entre Ribeiras, além de campos de treino, tinha acolhido etapas dos POM 2011 e 2017. Ambos os proprietários declararam não terem sofrido danos com a realização das provas e manifestaram-se disponíveis para continuar a colaborar com a organização de eventos da modalidade. Sentem que este tipo de iniciativas promove o desenvolvimento regional, dando a conhecer, em termos nacionais e internacionais, os valores do património natural, gastronómico e cultural do Norte Alentejano.

Rosália Mendes, proprietária também da Herdade de Almojanda (onde, quem sabe, viremos a ter um próximo NAOM), nutre simpatia pelo nosso desporto, que leva os praticantes a conhecerem a realidade do campo, mas faz notar que a programação de uma tal atividade tem de ser articulada com outros interesses, como a caça e a gestão do gado. O seu pai, Victor Manuel Baltazar Dias Mendes, adquiriu a Herdade de Entre Ribeiras em 1985, “fez obras de restauro e conservação, modernizou a agricultura e incrementou a pecuária” (cito livremente palavras que li algures e julgo terem a assinatura de sua irmã, Teresa Mendes). Antes de falecer, no ano 2000, o pai tinha criado com proprietários de herdades vizinhas uma Associação de Caçadores, que, entre outras iniciativas, promove um encontro anual de convívio, em que reinam o fado e as guitarras. Primeiro em outubro, agora em abril, parece que os encontros não vão sair da agenda.

Lino Janeiro e Rosália Mendes aplaudidos pela comunidade orientista após receberem os mapas das suas herdades cartografados para eventos desta modalidade.

“Pai Diogo” e a torre de ver Portalegre

Esta Herdade de Entre Ribeiras tem provavelmente uma história que daria trabalho de monta a quem se dispusesse a vasculhar códices e memórias de antanho. Para esta referência marginal, destinada sobretudo a satisfazer a curiosidade momentânea de quem passou por lá e viu aquela estranha torre, recorro basicamente aos dados nem sempre rigorosos da inesgotável “rede”.

No final do século XIX, era proprietário da herdade Diogo da Fonseca Acciaioli Coutinho de Sousa Tavares (1831-1904). O apelido Acciaioli conheceu diferentes grafias, incluindo Achaiolli, como ficou gravado na toponímia de Portalegre. A origem da família remonta à Florença do século XII e entrou em território português pela Madeira em 1512. Adiante! Em 1877, Diogo da Fonseca adere ao Partido Progressista e, nos anos que se seguem, gasta a sua fortuna na atividade política e no apoio aos mais desfavorecidos (os pobres chamavam-lhe “Pai Diogo”). Morre em 1904, solitário, sem cabedal, mas com o reconhecimento da sociedade portalegrense. Dois anos depois, a comissão administrativa da câmara municipal deu o seu nome àquela que, até então, se chamava Rua dos Silveiros.

Vendida em hasta pública nos anos 30, a Herdade de Entre Ribeiras é adquirida por José Carrilho de Moura que, entre 1940 e 1943, manda ali construir uma grande moradia e a gigantesca torre que ainda hoje domina vastos campos em redor. Não encontrei nenhum registo das lendas que correm: Carrilho de Moura teria construído a torre para dela avistar Portalegre. Ou, dizem outros, para de noite entrar em contacto com parentes de herdades vizinhas, por meio de sinalização luminosa.

Como quer que seja, depois de conhecer dois outros proprietários, Henry de Chabot e José Marques Loureiro, a Herdade de Entre Ribeiras chega às mãos do pai de Rosália Mendes e, hoje, continua a promover a agricultura, a pecuária e a caça associativa, sem fins lucrativos. E constitui um dos paraísos da orientação.

Manuel Dias

Fotos de Luís Boal