A dupla vitória de Vasco Mendes, em Longa e Sprint, na categoria Elite, constitui o feito mais relevante da seleção portuguesa nos Campeonatos de Orientação do Mediterrâneo (MCO), organizados pelo COALA e ADFA, em Santiago do Cacém, de 24 a 26 de fevereiro. Ao atleta do ADN Sesimbra só escapou o triunfo em Distância Média, que por 16 segundos sorriu a Tiago Romão, do CMo Funchal. Nas senhoras, Matilde Ribeiro, do CPOC, obteve dois 2ºs lugares; e Rita Fernandes, do .COM, dois 3ºs.
Já os participantes nos escalões M/W20 tiveram globalmente menos sucesso. Rodrigo Lima, do Montanha, alcançou o seu melhor resultado (2º) na Média. Dinis Lopes, do CAOS, foi 4º no Sprint. Leonor Ferreira, do Sesimbra, concluiu as três disciplinas em 4º lugar. E Alexandra Serra Campos, do .COM, entrou duas vezes na 5ª posição.
Os grandes destaques da jornada vão, no entanto, para dois juniores da Croácia e uma sénior de Espanha. Tihon Salopek ganhou tudo em M20, Dorja Salopek fez o mesmo em W20, e outro tanto conseguiu Lola Gabarró em WE.
As classificações menos distintas foram para a delegação do Egito. Abdelrahman Isma e Nada Khalifa só lograram terminar a prova de Sprint. Também a Macedónia trouxe apenas duas atletas, mas com melhores prestações. Anastasija Ristova foi 2ª no Sprint, enquanto Meri Ckripeska manteve o 4º lugar nas três corridas.
Filhos de peixe sabem nadar
Em paralelo com o Campeonato do Mediterrâneo, decorreu o Costa Alentejana “O” Meeting (CAOM), a contar para os rankings nacionais, ainda que dois terços dos 750 participantes fossem estrangeiros, com destaque para a Finlândia (110), Noruega (60), Suíça (56) e França (48).
Na tabela dos resultados, raramente analiso os escalões Open. Desta vez, no entanto, podia abrir a crónica sem consultar as classes de competição. O que logo me saltou à vista foi o apelido do 3º classificado em Difícil Curto: Tihomir Salopek. As grandes vedetas do Campeonato do Mediterrâneo 2023 foram, como já se disse, os croatas Tihon e Dorja Salopek.

Na minha mente logo se desenhou um quadro em que Tihon é irmão de Dorja e ambos são filhos de Tihomir. Não posso, contudo, escrever com base em suposições. Tihomir estava aqui a participar num escalão aberto, mas tem um longo historial de competição. Nasceu em 1974 (boa idade para ser pai dos dois juniores) e, entre outros títulos, ganhou em 2001 o Croatia Open e em 2002 a Cerkno Cup e a OOcup, ambas na Eslovénia.
Faltava a informação que garantisse o vínculo familiar. As diligências feitas junto da organização tardavam em surtir efeito. Então lembrei-me.
Em 2008, por ocasião do WMOC na Marinha Grande, entrevistei uns 70 participantes da maior parte dos países e de praticamente todos os escalões. O croata eleito foi Tomislav Kaniski, M35 na altura. Quando lhe pedi que recordasse os momentos mais memoráveis da sua carreira de Elite, ele destacou a Estafeta do Mundial de 1995, na Alemanha. Explicou que a equipa incluía o treinador de 46 anos e uma rapariga, que se ocuparam dos dois primeiros percursos. Os trunfos estavam guardados para o fim e funcionaram: com duas provas inspiradas conseguiram recuperar 35 minutos de atraso e, assim, vencer os vizinhos da Eslovénia, seus compatriotas até à independência quatro anos antes. E quem foram essas duas armas nada secretas? O próprio Kaniski e… Tihomir Salopec! Estava encontrado o buraco no muro. Tomislav mandou-me o contacto de Tihomir. E, sim, os três Salopek são pai e filhos.
Depois deste esforçado caminho para chegar à meta, cai-me de bandeja nos braços informação duplicada. Nas pesquisas em torno do nome Salopek, tinha-me aparecido um link para o Gafanhori. Liguei à Raquel Costa. E ela com toda a naturalidade: sim, a Dorja e o Tihon são filhos do Tihomir, estiveram nos nossos campos de treino desde 13 de fevereiro, quase uma semana antes do POM. E percebia-se logo que só podiam fazer bons resultados. Treinavam com grande empenho, no final analisavam com o pai e, algumas vezes, voltavam ao terreno para perceber o que tinha corrido menos bem ou para ensaiar outras opções de percurso intercalar. Cito a Raquel sem aspas porque foi uma conversa amena sem recurso a notas.
Saudades de “Jussi”
Voltando aos escalões Open e sem sair do Difícil Curto, os dois primeiros lugares foram ocupados por dois concorrentes da Estónia. Sergey Seleznev ganhou nos três dias. Tem pouco mais de 30 anos e já correu na Elite, tendo tomado parte no Campeonato Italiano de Sprint em 2019. Maria Novokovich, nascida em 1988, venceu este escalão em São Bartolomeu do Outeiro e foi 14ª no POM 2017 em W21A. O 4º lugar da portuguesa Rita Rodrigues, batida por pelos dois estonianos e pelo croata, não tem, pois, nada de desprestigiante. Tal como o 3º lugar de José Pires em Difícil Longo.
Neste caso, a dupla da frente veio da Finlândia e são duas senhoras. A primeira, Sanna Ylikyla, conta no seu currículo, entre outras competições, o MOC 2008 em Itália. A segunda, Tuulikki Salmenkyla, é filha do grande Juhani Salmenkyla.
Pela segunda semana consecutiva, remeto para a Wikipédia, porque é impraticável deixar aqui um retrato minimamente justo de Salmenkyla. Membro de uma família de desportistas (o pai foi atleta olímpico em 1924), Juhani brilhou logo no primeiro Campeonato do Mundo em 1966, ano em que foi o vencedor absoluto da 2ª edição do O-Ringen. As estafetas eram-lhe particularmente caras. As equipas que integrou ganharam a prata na 1ª e 3ª edições do WOC (1966 e 1968) e é difícil quantificar as suas presenças na Tiomila e na Jukola. Em 2007, disse ele um dia, já tinha feito mais de 50 vezes a estafeta finlandesa. Só não o deixaram participar na prova de estreia, em 1949, porque era “muito novo”.
“Jussi”, como era conhecido entre os amigos, faleceu em 4 de maio do ano passado, menos de dois meses depois da grande festa com que a família e o clube assinalaram os seus 90 anos. Dei o meu modesto contributo para essa celebração, enviando a Tuulikki fotos do pai em Portugal, uma delas no Meeting de Arraiolos em 1 de março de 2020, derradeiro evento português de orientação antes da pandemia e provavelmente também a última vez que Juhani pisou a nossa terra, que ele tanto amava.
Cinco medalhas no WOC
Passando aos escalões de competição, todas as luzes apontam para a vencedora da Elite feminina, Venla Harju, que já triunfara também no POM. Nos últimos dez anos, a finlandesa do Tampereen Pyrinto foi cinco vezes medalhada nos WOC, a última delas em 2019, já depois de ter sido mãe. Outra façanha de monta em WE foi rubricada por um punhado de ucranianas que chamou a si quatro dos sete primeiros lugares dessa categoria. É obra para um país representado apenas por 17 participantes.
Nos homens, a Elite foi ganha pelo francês Loic Marty, do Figeac Nature Orientation, que já também subira ao pódio no POM, atrás do seu compatriota Guilhem Elias e do sueco Isac von Krusenstierna.
A lista completa dos resultados está aqui, mas é justo destacar, pelo menos, os atletas que somaram três vitórias nos três dias: os finlandeses Hana Mononen (W40), Susana Tervo (W21A), Janne Weckman (M45), Heidi Salonen (W50) e Juhani Makinen (M80); a norueguesa Unni Strand Karlsen (W70); o sueco Carl-Henri Andersson (M75); e os suíços Stefano Maddalena (M50) e Othmar Sauter (M90). No caso do nonagenário, a proeza não é triunfar, já que era o único na sua classe. O prodígio é concluir com sucesso os três percursos e, no domingo, subir e descer do pódio com uma agilidade de fazer inveja a qualquer devoto de Matusalém.
O nosso “mais velho” estava tão feliz por estas duas semanas no Alentejo que, a dada altura, se dirigiu à organização empunhando uma nota de 50 euros. Queria deixar uma lembrança para apoiar a formação dos jovens do clube. Sobressalto protocolar! Seria ou não legítima uma oferta monetária? No POM de há 15 anos, a mãe de um menino “especial”, vendo a competência e dedicação com que o filho fora tratado no babysitting, insistiu também em contribuir para o “saco” do clube. A monitora foi intransigente (não podia aceitar dinheiro!), mas interrogou-se se não deveria haver um mecanismo que permitisse aos participantes, em casos tão significativos, expressarem materialmente a sua gratidão. Ainda hoje, quando as duas se encontram por essas arenas fora, vem à conversa esse episódio centrado no pequeno “J-C”.
De propósito deixei para o fim, que é também uma forma de relevar, o nome do único português que averbou uma tripla vitória no CAOM: Tiago Oliveira, do CPOC, em M16.
Custa ter nomeado Janne Weckman, um dos mais prestigiados cartógrafos no ativo, ou o “Super Maddalena”, como há um ano titulava uma página eletrónica italiana, sem sobre eles adiantar mais currículo, mas não quero abusar da vossa paciência. Deixem só dizer que o nosso professor Baltazar reconheceu na vencedora de W70, Unni Strand, a formadora do curso de supervisores que ele frequentou há três meses em Alicante. E andamos nós metidos com gente deste gabarito!
Sesimbra em 2º entre 181 equipas
Entre 181 equipas representadas no CAOM/MCO, o ADN Sesimbra classificou-se em 2º lugar, atrás dos finlandeses do VeVe. No top-10 ficaram ainda CAOS, AngA (também da Finlândia), .COM, CPOC, Swiss O Tour, e as seleções de Portugal e Espanha.
A nossa associação, mesmo sem contar com os dois elementos chamados à equipa nacional, foi a que levou a Santiago do Cacém o maior número de participantes (35), seguida pelo CAOS (24) e CPOC (19). Tanto o vencedor VeVe como o AngA trouxeram apenas 14 atletas cada, mas seis, em ambos os casos, eram da classe Elite, que tem uma majoração pontual.
Tal como na prova anterior, em São Bartolomeu do Outeiro, a grande maioria das equipas teve uma pontuação residual correspondente às suas reduzidas formações.
Quase metade da representação do ADN (16 entre 35) era constituída por jovens ou “pouco experientes”: M/W10 (6), M/W14 (5) e M/W21B (5), o que permite antever alguma margem de progressão. Os restantes 19 repartiam-se entre veteranos (9) e o bloco supostamente mais competitivo (10): M/W 18, 20, Elite e 21A. Nos escalões de formação avultam os apelidos Laia e Boal, cujos progenitores militam em M21A. Fica o desafio: inspirem-se no exemplo dos Salopek.
A Jesus tinha 38 quando elas nasceram
Como anotámos no texto da semana passada, nem tudo ficou contado acerca do POM. Hoje, já tive oportunidade de mencionar os vencedores das duas Elites, mas não referi o peso do Kalevan Rasti, com sete atletas no top20 de HE e quatro no top5 de WE.
A opção pelo “chasing start” na última etapa proporciona espetáculo emotivo. Ganha o atleta que primeiro cortar a meta, já que cada um parte com a diferença de tempo que estava a perder para o anterior no conjunto das três primeiras corridas. O problema é que ficam automaticamente excluídos todos os participantes que tenham falhado alguma das provas anteriores, o que não sucede na classificação por pontos, que vigorou em todos os escalões com exceção das Elites. Neste caso, a grelha final de HE inclui apenas 62 dos mais de 120 inscritos; e a de WE, 44 entre 80.
O ADN teve apenas um participante em cada um desses escalões. Vasco Mendes (23º) foi o terceiro português, atrás de Tiago Romão (13º) e Tomás Lima (17º), e à frente de Miguel Silva (34º), Rafael Miguel (35º), André Roberto (41º), João Novo (45º), Manuel Oliveira (49º), Paulo Santos (52º), Gildo Silva (54º), José Pedro Fernandes (56º), Gonçalo Mota (59º) e Luís Barreiro (61º).
A nossa Jesus Leão fechou a classificação de WE, mas convém lembrar que era também a menos jovem de todas as inscritas. As mais novas tinham menos 38 anos do que ela. E a sua mais próxima nascera no ano em que a Jesus entrou para escola primária!
As outras portuguesas classificadas foram Stepanka Betkova (32ª), Magalie Mendes (34ª), Inês Augusto (41ª) e Rita Fernandes (42ª).
Precisão é com os portugueses
No terceiro dia do POM, após a etapa de floresta, teve lugar de tarde uma prova de Orientação de Precisão (PreO). Estavam inscritos 105 participantes e o pódio só falou português. O 1º classificado foi Nuno Pires, OriEstarreja, o 2º Cláudio Tereso, ATV e o 3º João Valente, CPOC. Todos acertaram a totalidade dos postos de controlo válidos (19) e, de acordo com o regulamento, o desempate foi feito com o desempenho na estação cronometrada, onde o 1º classificado demorou apenas 14 segundos para responder corretamente aos três desafios. O 2º demorou 19 segundos e o 3º 25 segundos.
Na véspera tinha-se disputado um sprint noturno, com 1047 inscritos. Na Elite triunfaram os suecos Isac von Krusenstierna (ME) e Tilde Backlund (WE). Entre os concorrentes portugueses, só Tiago Aires (M40) ganhou, juntando essa vitória às quatro de floresta. As cores de Sesimbra foram ao pódio com o 2º lugar de Miguel Canana em M14.
Vitória croata na 1ª pessoa
Preparava-me para lacrar a missiva, quando recebi da Croácia o depoimento conjunto dos irmãos Tihon e Dorja Salopek. O primeiro impulso foi enxertar as suas declarações no subtítulo “Filhos de peixe sabem nadar”. Mas acabei decidindo o contrário, para dar a devida projeção ao depoimento que tiveram a amabilidade de elaborar poucas horas depois de eu ter contactado o pai. Segue na íntegra, correndo por minha conta qualquer deslize na tradução:
“1. Gostámos mesmo desta competição, especialmente porque foi a primeira vez que integrámos a seleção nacional da Croácia. A prova foi muito bem organizada, os portugueses tentaram realmente fazer dela uma coisa agradável. Também gostámos dos percursos, ainda que a nossa expectativa fosse de um sprint urbano e não de floresta/parque.
2. Na distância média, estávamos um pouco nervosos, porque nunca antes tínhamos corrido pela equipa nacional, era uma sensação desconhecida para nós. Mas logo que agarrámos o mapa e começámos a correr, tudo isso desapareceu, a nossa concentração foi toda para o mapa. Na distância longa e no sprint, tudo foi melhor e mais fácil.
3. O nosso objetivo antes de cada prova era corrê-la num ritmo regular, sustentado, de modo a que essa corrida regular se traduzisse num bom resultado. Na distância média, devido ao já mencionado ligeiro nervosismo antes da partida, cometemos alguns erros sem sentido nas partes um nadinha mais difíceis do percurso, mas, apesar desses erros, fizemos uma corrida medianamente boa. No final estávamos satisfeitos com a vitória e isso deu-nos confiança para a distância longa. Antes da nossa partida para as provas de distância longa, nós estávamos muito descontraídos. Aprendemos a atingir esse estado de descontração no ano passado antes da partida da 25Manna [uma famosa estafeta sueca, que reúne cerca de 400 equipas de 25 elementos cada, todos os anos, no segundo fim de semana de outubro]. Foi aí que observámos como os corredores da elite mundial conseguem relaxar antes das suas corridas, e desde então começámos a aplicar isso em nós próprios. Na distância longa também corremos a ritmo médio, sem erros de maior. O terreno tinha muito desnível [hilly], mas era de corrida mais fácil [runnable] do que a distância média. Fizemos sempre as melhores opções de percurso e usámos muitos caminhos para chegar mais facilmente aos pontos de controlo.
Depois desta corrida nós estávamos também felizes com a vitória e mal conseguíamos esperar pelo sprint. Antes desta última prova, não estávamos nada nervosos, queríamos era correr. Percebemos que o sprint ia ser em parque/floresta. Perdemos bastante tempo por causa do equipamento, não estávamos preparados para isso. Eu (Tihon) fiz uma série de pequenos erros, uma corrida má, mas a Dorja fez uma boa corrida, e lográmos, apesar da minha prestação, vencer o terceiro ouro de seguida. Estamos tão felizes com isso!”
12 provas em duas semanas
Só no POM (18-21 fev) foram quatro etapas de floresta, um sprint noturno e um percurso de PreO. Depois no MCO/CAOM (24-26 fev), outras três provas. Ou seja, nove competições em nove dias, já incluindo o descanso de quarta e quinta-feira a seguir ao Carnaval. Se a isto juntarmos os três mapas do NAOM (11-12 fev), temos uma maratona de 12 provas em duas semanas, e todas no Alentejo.
Nos próximos tempos correm mais mansas as águas da competição. Há provas regionais um pouco por toda a parte, mas no horizonte do nosso clube praticamente só se perfilam: um troféu de BTT no Alandroal (11-12 mar.); o Campeonato Ibérico de BTT em Badajoz (18-19 mar.); o Ibérico pedestre em Toledo (25-26 mar); CN Sprint e Longa BTT em Esposende (1-2 abr.); o ABOM em Aguiar da Beira (7-9 abr.); e CN Sprint e Longa pedestre em Tabuaço (15-16 abr.). Bem vistas as coisas, não há um fim de semana livre. Mas são eventos sem o fôlego de fevereiro, e repartidos entre a bicicleta e os sapatos de bicos. O escriba de serviço, que nem sabe pedalar, arruma pois a pena e rolha o tinteiro; se houver lugar a algum apontamento, será breve e talvez a lápis.
Manuel Dias
Fotos de Sofia Pulquério, Manuel Dias, Maria de Jesus Leão e José Marques